Nenhum traço de Seus recentes sofrimentos podia ser notado
quando o Salvador Se adiantou para encontrar Seu traidor. Colocando-Se adiante
dos discípulos, perguntou à turba:{VJ 85.1}
“A quem buscais? Responderam-Lhe: A Jesus, o Nazareno. Então,
Jesus lhes disse: Sou Eu.” {VJ 85.2} João 18:4, 5.
Ao dizer essas palavras, o anjo que O confortara, colocou-se
entre Ele e a multidão. Uma luz divina iluminou Seu rosto e uma forma de pomba
pairava sobre Ele. A turba assassina não pôde suportar por um momento sequer a
luz da presença divina. Recuaram cambaleantes, e sacerdotes, anciãos e soldados
caíram por terra, sem sentidos.{VJ 85.3}
O anjo se retirou e a luz se apagou. Jesus poderia ter
escapado, mas permaneceu ali, calmo e com perfeito domínio de Si mesmo enquanto
os discípulos estavam assustados demais para dizer uma só palavra.{VJ 86.1}
Os soldados logo se recobraram, levantando-se, e junto com
os sacerdotes e Judas rodearam Jesus. Pareciam envergonhados de sua fraqueza e temerosos
de que Ele pudesse fugir. O Salvador lhes
pergunta de novo:{VJ 86.2}
pergunta de novo:{VJ 86.2}
“A quem buscais? Responderam-lhe: A Jesus, o Nazareno.
Então, lhes disse Jesus: Já vos declarei que sou Eu; se é a Mim, pois, que
buscais, deixai ir estes.” João 18:7, 8.{VJ 86.3}
Nessa hora de provação, os pensamentos de Cristo se voltaram
para os Seus amados discípulos. Não queria que sofressem, ainda que tivesse de
ser preso e morto.{VJ 86.4}
O beijo da traição
Judas, o traidor, não se esqueceu da parte que tinha a
desempenhar. Aproximou-se e O beijou. Disse-lhe Jesus: “Amigo, para que
vieste?” Mateus 26:50. E com voz trêmula acrescentou: “Judas, com um beijo
trais o Filho do Homem?” Lucas 22:48.{VJ 86.5}
Essas amáveis palavras deveriam comover o coração de Judas,
mas parece que todo o sentimento de ternura e dignidade o havia abandonado.
Agora estava sob o domínio de Satanás. Colocou-se com arrogância ao lado de
Jesus e não se envergonhou de entregá-Lo à turba cruel.{VJ 86.6}
Cristo não recusou o beijo do traidor. Nisso, Ele nos deu
exemplo de tolerância, amor e simpatia. Se somos Seus discípulos, devemos
tratar nossos inimigos como Ele tratou Judas.{VJ 86.7}
A multidão homicida se tornou mais ousada quando viu o
traidor tocar o Ser que pouco antes havia sido iluminado com a luz celeste
diante de seus olhos. Em seguida, prenderam-No e ataram Suas mãos que sempre se
ocuparam em fazer o bem.{VJ 86.8}
Os discípulos não acreditavam que Jesus consentiria em ser
preso. Tinham certeza de que o poder que havia lançado a turba por terra era
suficiente para livrar o Mestre e Seus companheiros. Ficaram desapontados e
indignados quando viram as mãos de Seu amado Mestre serem amarradas. Furioso.
Pedro arrancou da espada e brandindo-a cortou a orelha do servo do
sacerdote.{VJ 86.9}
Jesus, vendo o que Pedro fizera, soltou as mãos firmemente
amarradas pelos soldados romanos e disse: “Deixai, basta.” Lucas 22:51. Tocou
então a orelha ferida, que sarou no mesmo instante.{VJ 86.10}
Disse então a Pedro: “Embainha a tua espada; pois todos os
que lançam mão da espada, à espada perecerão. Acaso, pensas que não posso rogar
a Meu Pai, e Ele Me mandaria neste momento mais de doze legiões de anjos? Como,
pois, se cumpririam as Escrituras, segundo as quais assim deve suceder?” Mateus
26:52-54. “Não beberei, porventura, o cálice que o Pai Me deu?” João 18:11.{VJ
87.1}
Voltando-Se então para os sacerdotes e capitães do templo
que se encontravam na multidão, disse-lhes: “Saístes com espadas e porretes
para prender-me, como a um salteador? Todos os dias Eu estava convosco no
templo, ensinando, e não Me prendestes; contudo, é para que se cumpram as
Escrituras.” Marcos 14:48, 49.{VJ 87.2}
Quando os discípulos viram que o Salvador não fazia nenhum
esforço para Se livrar de Seus inimigos, culparam-No por isso. Não podiam
compreender Sua rendição àquela turba e, cheios de medo, deixaram o Mestre
sozinho e fugiram.{VJ 87.3}
Cristo havia predito a cena do abandono quando disse: “Eis
que vem a hora e já é chegada, em que sereis dispersos, cada um para sua casa,
e Me deixareis só; contudo, não estou só, porque o Pai está comigo.” João
16:32.{VJ 87.4}
Perante Anás e Caifás
Jesus foi levado do Jardim do Getsémani cercado pela turba
que o vaiava. Movia-Se com dificuldade pois Suas mãos estavam fortemente atadas
e os soldados O mantinham bem perto.{VJ 87.5}
Primeiro foi levado à casa de Anás, o antigo sumo sacerdote
cujo cargo havia sido ocupado por seu genro, Caifás. O ímpio Anás queria ser o
primeiro a ver Jesus preso e tirar dEle provas que O levariam à condenação.{VJ
87.6}
Com essa intenção, interrogou o Salvador em relação aos Seus
discípulos e ensinamentos. Cristo respondeu:{VJ 87.7}
“Eu tenho falado francamente ao mundo; ensinei continuamente
tanto nas sinagogas como no templo, onde todos os judeus se reúnem, e nada
disse em oculto.” João 18:20.{VJ 87.8}
Então, voltando-Se para o que O interrogava, disse: “Por que
Me interrogas? Pergunta aos que ouviram.” João 18:21.{VJ 87.9}
Os próprios sacerdotes tinham enviado espiões para observar
Cristo e relatar cada palavra que dizia. Através deles, sabiam tudo o que
Cristo ensinava e fazia em cada reunião. Os espiões tentavam apanhá-Lo em Suas
próprias palavras para que, desse modo, pudessem condená-Lo. Por isso o
Salvador disse: “Pergunta aos que ouviram.” João 18:21. Dirigi-vos aos vossos
espiões. Eles ouviram o que Eu disse e podem contar-vos a respeito dos Meus
ensinos.{VJ 87.10}
As palavras de Jesus foram tão penetrantes e diretas que o
sacerdote sentiu que o seu Prisioneiro conhecia suas intenções.{VJ 87.11}
Um dos servos de Anás, porém, sentindo que seu mestre não
havia sido tratado com o devido respeito, bateu no rosto de Jesus, dizendo:{VJ
87.12}
“É assim que falas ao sumo sacerdote? Replicou-lhe Jesus: Se
falei mal, dá testemunho do mal; mas, se falei bem, por que Me feres?” João
18:22, 23.{VJ 88.1}
Jesus poderia ter convocado legiões de anjos celestes para
vir em Seu auxílio; mas era parte de Sua missão suportar, em Sua humanidade,
todas as ofensas e insultos que os homens pudessem acumular sobre Ele.{VJ 88.2}
Julgamento forjado
Da casa de Anás, o Salvador foi levado ao palácio de Caifás.
Ele deveria ser interrogado pelo Sinédrio e, enquanto seus membros eram
convocados, Anás e Caifás O questionaram outra vez, mas não obtiveram vantagem
sobre Ele.{VJ 88.3}
Quando os membros do Sinédrio estavam reunidos, Caifás tomou
seu lugar de presidente, ladeado pelos juízes; diante deles, os soldados
romanos guardavam o Salvador; atrás deles se encontrava a turba acusadora.{VJ
88.4}
Caifás então ordenou que Jesus operasse um de Seus milagres
diante de todos, mas o Salvador permanecendo em silêncio, não deu nenhum sinal
de que tinha ouvido uma palavra sequer. Tivesse Ele respondido com um único olhar
penetrante e cheio de autoridade tal qual lançara aos comerciantes no templo e
toda aquela turba homicida fugiria imediatamente de Sua presença.{VJ 88.5}
Naquela época, os judeus estavam sob o domínio dos romanos e
não eram autorizados a condenar ninguém à morte. O Sinédrio apenas examinava o
prisioneiro e então transferia o julgamento para ser ratificado pelas
autoridades romanas.{VJ 88.6}
Para cumprir seu ímpio propósito, deveriam encontrar alguma
acusação contra o Salvador que fosse considerada como um ato criminoso pelo
governador romano. Podiam assegurar que tinham suficientes evidências de que
Cristo havia falado contra muitas tradições e ordenanças judaicas. Era fácil
provar que Ele havia denunciado sacerdotes e escribas, chamando-os de hipócritas
e assassinos, mas isso não seria motivo de condenação perante os romanos, pois
eles mesmos odiavam a hipocrisia dos fariseus.{VJ 88.7}
Muitas acusações foram apresentadas contra Jesus, mas, ou as
testemunhas não estavam de acordo, ou os depoimentos eram de tal natureza que
não seriam aceitos pelos romanos. Tentaram fazê-Lo falar, em resposta às
acusações, mas Ele parecia não ouvi-los. O silêncio de Cristo, naquele momento,
já havia sido descrito pelo profeta Isaías: {VJ 88.8}
“Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; como
cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus
tosquiadores, Ele não abriu a boca.” Isaías 53:7.{VJ 89.1}
Os sacerdotes começaram a temer que não conseguiriam nenhuma
prova convincente que pudesse levar Cristo à presença de Pilatos. Sentiam que
uma última tentativa precisava ser feita. O sumo sacerdote apontou a mão para o
Céu e se dirigiu a Jesus, em forma de solene juramento:{VJ 89.2}
“Eu Te conjuro pelo Deus vivo que nos digas se Tu és o
Cristo, o Filho de Deus.” Mateus 26:63.{VJ 89.3}
O Salvador jamais negou Sua missão ou Seu relacionamento com
o Pai. Podia calar-Se diante de um insulto, mas sempre falava aberta e
decididamente quando Sua obra ou filiação divina eram questionadas.{VJ 89.4}
Todo ouvido inclinou-se para ouvir e todo olhar fixou-se
nEle, quando respondeu: “Tu o disseste.” Mateus 26:25.{VJ 89.5}
Segundo o costume da época, responder daquele modo
significava “sim” ou “é tal qual disseste”. Essa era a maneira de responder de
modo mais enfático a uma resposta afirmativa. Uma luz celestial iluminou Seu
rosto pálido quando acrescentou:{VJ 89.6}
“Entretanto, Eu vos declaro que, desde agora, vereis o Filho
do Homem assentado à direita do Todo-poderoso e vindo sobre as nuvens do céu.”
Mateus 26:64.{VJ 89.7}
Nessa declaração, o Salvador apresentou o reverso da cena
que ali se desenrolava, apontando-lhes um tempo em que Ele ocupará a posição de
Supremo Juiz do Céu e da Terra. Então estará assentado no trono do Pai e de
Suas sentenças não haverá apelação.{VJ 89.8}
Diante de Seus ouvintes, trouxe uma visão daquele dia,
quando, ao invés de sofrer abusos e escárnios da turba desordeira, virá nas
nuvens do Céu com poder e grande glória. Legiões de anjos O escoltarão e então
pronunciará a sentença contra Seus inimigos, achando-se entre eles a mesma
turba que O acusava.{VJ 89.9}
Ao Jesus Se declarar Filho de Deus e Juiz do mundo, o
sacerdote rasgou suas vestes, mostrando-se horrorizado. Ergueu as mãos para o
Céu e disse:{VJ 89.10}
“Blasfemou! Que necessidade mais temos de testemunhas? Eis
que ouvistes agora a blasfémia! Que vos parece? Responderam eles: É réu de
morte.” Mateus 26:65, 66.{VJ 89.11}
Segundo as leis judaicas, um prisioneiro não podia ser
julgado à noite. Por isso, embora já condenado, deveria haver um outro
julgamento durante o dia.{VJ 89.12}
Insultando o criador
Jesus foi levado, em seguida, para a sala da guarda, onde
sofreu escárnio e abuso dos soldados e da multidão.{VJ 90.1}
Ao amanhecer, foi Ele conduzido novamente à presença dos
juízes onde a condenação definitiva foi pronunciada. Uma fúria satânica se
apossou dos líderes e do povo. A multidão urrava como feras selvagens.
Lançaram-se então contra Cristo, gritando: “Ele é culpado, matem-No!” Se os
soldados romanos não estivessem presentes, eles O teriam feito em pedaços.
Porém, a autoridade romana se interpôs, e, com a força das armas, reprimiu a
violência do povo.{VJ 90.2}
Sacerdotes e príncipes se misturaram à multidão e cobriram o
Salvador de insultos. Vestiram-No com um manto surrado e Lhe bateram no rosto,
dizendo: “Profetiza-nos, Cristo, quem é que Te bateu!” Mateus 26:68.{VJ 90.3}
E tirando as Suas vestes, cuspiram-Lhe no rosto.{VJ 90.4}
Os anjos de Deus registraram fielmente cada insulto, olhar,
palavra e ato contra seu amado Comandante. Um dia aqueles homens vis que
zombaram e bateram no rosto pálido e sereno de Cristo contemplarão esse mesmo
rosto mais brilhante do que o Sol.{VJ 90.5}
A tragédia de Judas
Os príncipes judeus estavam ansiosos por prender Jesus, mas
por receio de provocar um tumulto entre o povo, não ousavam fazê-Lo
abertamente. Por isso buscaram alguém que pudesse traí-Lo secretamente e
encontraram em Judas, um dos doze discípulos, a pessoa para praticar esse ato
vil.{VJ 90.6}
Judas tinha naturalmente um forte amor pelo dinheiro, nem
sempre fora mau e corrupto a ponto de praticar tal ato. Cultivou, porém, o
espírito de avareza até que esse alcançou pleno domínio sobre sua vida e,
agora, podia vender o seu Senhor por trinta moedas de prata, o preço de um
escravo. Êxodo 21:28-32. Com um beijo traiu o Salvador no Getsémani. {VJ 90.7}
Depois de entregá-Lo, seguiu cada passo do Filho de Deus,
desde o jardim até o interrogatório diante dos príncipes do povo. Não
acreditava que Jesus consentiria em ser morto por eles conforme O ameaçaram.{VJ
91.1}
A cada momento esperava vê-Lo libertado e protegido pelo
poder divino, como havia sido no passado. Mas, à medida que as horas passavam e
Jesus Se submetia pacientemente a todas as injúrias e insultos, um terrível
medo se apossou do traidor, levando-o a reconhecer que, de fato, ele havia
traído Seu Mestre para ser morto.{VJ 91.2}
Remorso tardio
Quando o julgamento terminou, Judas não pôde suportar mais a
tortura de uma consciência culpada. De repente, uma voz rouca ecoou no recinto
provocando um calafrio de terror em todos os presentes: Ele é inocente.
Poupa-O, Caifás. Nada fez para merecer a morte! Mateus 27:3, 4.{VJ 92.1}
A figura alta de Judas foi vista abrindo caminho pelo meio
da multidão chocada. Seu rosto estava pálido e desfigurado e grandes gotas de
suor caíam da sua fronte. Avançando até o trono do julgamento, atirou aos pés
do sumo sacerdote as trinta peças de prata — o preço da traição. Agarrou
ansiosamente as vestes de Caifás e lhe implorou que libertasse Jesus, pois nEle
não havia nenhum crime. Caifás, porém, o repeliu, dizendo: “Que nos importa?
Isso é contigo.” Mateus 27:4.{VJ 92.2}
Judas então se lançou aos pés do Salvador. Confessou que
Jesus era o Filho de Deus e Lhe implorou que livrasse a Si mesmo de Seus
inimigos. Jesus sabia que Judas não havia se arrependido verdadeiramente do seu
ato. O falso discípulo temia a punição pelo que havia feito, mas não sentiu
genuína tristeza por ter entregue o imaculado Filho de Deus.{VJ 92.3}
Mesmo assim, Jesus não lhe dirigiu nenhuma palavra de
condenação. Olhou-o com piedade e disse: “Para isso nasci e para isso vim ao
mundo.” João 18:37.{VJ 93.1}
Um murmúrio de admiração correu pela multidão. Com espanto,
presenciaram a longanimidade de Cristo para com Seu traidor.{VJ 93.2}
Quando Judas percebeu que suas súplicas não dariam
resultado, saiu correndo da sala, gritando: “É tarde, é tarde demais!” Sentiu
que não podia suportar a crucifixão de Jesus e, em desespero, foi e se
enforcou.{VJ 93.3}
Mais tarde, naquele mesmo dia, quando conduziam Jesus do
tribunal de Pilatos ao Calvário, as zombarias e os insultos da turba foram
interrompidos quando passaram por um lugar deserto e viram, junto a uma árvore
seca, o corpo sem vida de Judas.{VJ 93.4}
Era um quadro repugnante. O peso do corpo havia rompido a
corda e, ao cair, mutilara-se horrivelmente. Os cães agora o devoravam. Os
restos foram imediatamente enterrados longe da vista de todos. A zombaria, porém,
diminuiu e o rosto pálido de muitos revelava os fortes temores de seu íntimo.
Parecia que a retribuição já começava a atingir os que eram culpados do sangue
de Jesus.{VJ 93.5}
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