28.3.11

A INFLUENCIA DE UM BOM LAR

Preeminente entre os que foram chamados para dirigir a igreja das trevas do papado à luz de uma fé mais pura, acha-se Martinho Lutero. Zeloso, ardente e dedicado, não conhecendo outro temor senão o de Deus, e não reconhecendo outro fundamento para a fé religiosa além das Escrituras Sagradas, Lutero foi o homem para o seu tempo; por meio dele Deus efectuou uma grande obra para a reforma da igreja e esclarecimento do mundo.
Como os primeiros arautos do evangelho, Lutero proveio das classes pobres. Seus primeiros anos se passaram no humilde lar de um camponês alemão. Pelo trabalho diário de mineiro que era, seu pai ganhava os meios para a sua educação. Ele o destinava a ser advogado; mas Deus tencionava fazer dele um construtor no grande templo que tão vagarosamente se vinha erigindo, através dos séculos. Dificuldades, privações e severa disciplina foram a escola na qual a Sabedoria infinita preparou Lutero para a importante missão de sua vida.
O pai de Lutero era homem de espírito forte e ativo, e de grande força de carácter, honesto, resoluto e correto. Era fiel às suas convicções de dever, fossem quais fossem as consequências. Seu genuíno bom senso levava-o a considerar com desconfiança a organização monástica. Ficou muito desgostoso quando Lutero, sem seu consentimento, entrou para o convento, só se reconciliando com o filho passados dois anos, e mesmo então suas opiniões permaneceram as mesmas.
Os pais de Lutero dispensavam grande cuidado à educação e ensino dos filhos. Esforçavam-se por instruí-los no conhecimento de Deus e prática das virtudes cristãs. Ouvida por seu filho, muitas vezes ascendia ao Céu a oração do pai, a fim de que o filho pudesse lembrar-se do nome do Senhor, e um dia auxiliar no avanço da Sua verdade. Todas as vantagens para a cultura moral ou intelectual que sua vida de trabalhos lhes permitia gozar, aproveitavam-nas avidamente aqueles pais. Ardorosos e perseverantes eram seus esforços por preparar os filhos para uma vida piedosa e útil. Com sua firmeza e força de carácter, muitas vezes exerciam severidade excessiva; mas o próprio reformador, embora consciente de que em alguns aspectos haviam errado, encontrava em sua disciplina mais para aprovar do que condenar.
Na escola, para onde foi mandado com pouca idade, Lutero foi tratado com aspereza e mesmo violência.
Tão grande era a pobreza de seus pais que, ao ir de casa para a escola noutra cidade, foi por algum tempo obrigado a ganhar o pão cantando de porta em porta, e muitas vezes passava fome. As tristes e supersticiosas ideias sobre religião, que então prevaleciam, enchiam-no de temor. À noite deitava-se com coração triste, olhando a tremer para o tenebroso futuro, e com um contínuo terror ao pensar em Deus como juiz severo e implacável, tirano cruel, em vez de bondoso Pai celestial.
Não obstante, sob tantos e tão grandes desalentos, Lutero avançou resolutamente para a elevada norma de excelência moral e intelectual que lhe atraía a alma. Tinha sede de saber, e seu feitio de espírito ardoroso e prático, levou-o a desejar o que é sólido e útil em vez do que é vistoso e superficial.
Erfurt.
Quando, à idade de dezoito anos, entrou na Universidade de Erfurt, sua situação foi mais favorável e suas perspectivas mais brilhantes do que nos primeiros anos. Os pais, havendo pela economia e trabalho conseguido certo bem-estar, puderam prestar-lhe todo o auxílio necessário. E a influência de amigos judiciosos, diminuiu até certo ponto os efeitos sombrios de seu ensino anterior. Aplicou-se ao estudo dos melhores autores, entesourando diligentemente seus mais ponderados conceitos e fazendo sua própria a sabedoria dos sábios. Mesmo sob a ríspida disciplina dos mestres anteriores, cedo apresentara ele promessa de distinção; e sob influências favoráveis, seu espírito logo se desenvolveu. Memória retentiva, vívida imaginação, poderosa faculdade de raciocinar e aplicação incansável, colocaram-no logo em primeiro lugar entre seus companheiros. A disciplina intelectual amadureceu-lhe o entendimento, despertando uma atividade de espírito e agudeza de percepção que o estavam preparando para os embates da vida.
O temor do Senhor habitava no coração de Lutero, habilitando-o a manter sua firmeza de propósito e levando-o a profunda humildade perante Deus. Ele tinha uma constante intuição de sua dependência do auxílio divino, e não deixava de iniciar cada dia com oração, enquanto o íntimo estava continuamente a respirar uma súplica de guia e apoio. "Orar bem", dizia ele muitas vezes, "é a melhor metade do estudo."
História d´Aubigné.
Enquanto um dia examinava os livros da Biblioteca da Universidade, Lutero descobriu uma Bíblia latina. Nunca antes vira tal Livro. Ignorava mesmo sua existência. Tinha ouvido porções dos evangelhos e epístolas, que se liam ao povo no culto público, e supunha que isso fosse a Escritura toda. Agora, pela primeira vez, olhava para o todo da Palavra de Deus. Com um misto de reverência e admiração, folheava as páginas sagradas. Pulso acelerado e coração palpitante, lia por si mesmo as palavras de vida, detendo-se aqui e acolá para exclamar: "Oh! quem dera Deus me desse tal livro!" - História da Reforma do Século XVI, D'Aubigné. Anjos celestiais estavam a seu lado, e raios de luz procedentes do trono de Deus traziam-lhe à compreensão os tesouros da verdade. Sempre temera ofender a Deus, mas agora a profunda convicção de seu estado pecaminoso apoderou-se dele como nunca antes.
Um desejo ardente de se achar livre do pecado e encontrar paz com Deus, levou-o afinal a entrar para um mosteiro e dedicar-se à vida monástica. Exigiu-se-lhe, ali, efectuar os mais humildes trabalhos e mendigar de porta em porta. Estava na idade em que o respeito e a apreciação são mais avidamente desejados, e essas ocupações servis eram profundamente mortificadoras para os seus sentimentos naturais; pacientemente, porém, suportou a humilhação, crendo ser necessária por causa de seus pecados.
Todo momento que podia poupar de seus deveres diários empregava-o no estudo, furtando-se ao sono e

23.3.11

O PODER TRIUNFANTE DA VERDADE

Um novo imperador, Carlos V, subira ao trono da Alemanha, e os emissários de Roma se apressaram a apresentar suas congratulações e induzir o monarca a empregar seu poder contra a Reforma. De um lado, o eleitor da Saxónia, a quem Carlos em grande parte devia a coroa, rogava-lhe não dar passo algum contra Lutero antes de lhe conceder oportunidade de se fazer ouvir. O imperador ficou assim colocado em posição de grande perplexidade e embaraço. Os adeptos do papa não ficariam satisfeitos com coisa alguma a não ser um edito imperial sentenciando Lutero à morte. O eleitor declarava firmemente que "nem sua majestade imperial, nem outra pessoa qualquer tinha demonstrado haverem sido refutados os escritos de Lutero"; portanto, pedia "que o Dr. Lutero fosse provido de salvo-conduto, de maneira que pudesse comparecer perante um tribunal de juízes sábios, piedosos e imparciais". - D'Aubigné.
A atenção de todos os partidos dirigia-se agora para a assembleia dos Estados alemães que se reuniu em Worms logo depois da ascensão de Carlos ao poder imperial. Havia importantes questões e interesses políticos a serem considerados por esse concílio nacional. Pela primeira vez os príncipes da Alemanha deveriam encontrar-se com seu jovem monarca numa assembleia deliberativa. De todas as partes da pátria haviam chegado os dignitários da Igreja e do Estado. Fidalgos seculares, de elevada linhagem, poderosos e ciosos de seus direitos hereditários; eclesiásticos principescos, afetados de sua consciente superioridade em ordem social e poderio; membros da corte e seus partidários armados; e embaixadores de países estrangeiros e longínquos - todos se achavam reunidos em Worms. Contudo, naquela vasta assembleia, o assunto que despertava o mais profundo interesse era a causa do reformador saxónio.
Carlos previamente encarregara o eleitor de levar consigo Lutero à Dieta, assegurando-lhe proteção e prometendo franco estudo das questões em contenda, com pessoas competentes. Lutero estava ansioso por comparecer perante o imperador. Sua saúde achava-se naquela ocasião muito alquebrada; não obstante escreveu ao eleitor: "Se eu não puder ir a Worms com boa saúde, serei levado para lá, doente como estou. Pois se o imperador me chama, não posso duvidar de que é o chamado do próprio Deus. Se desejarem usar de violência para comigo (e isto é muito provável, pois não é para a instrução deles que me ordenam comparecer), ponho o caso nas mãos do Senhor. Ainda vive e reina Aquele que preservou os três jovens na fornalha ardente. Se Ele me não salvar, minha vida é de pouca importância. Tão-somente evitemos que o evangelho seja exposto ao escárnio dos ímpios; e por ele derramemos nosso sangue, de preferência a deixar que eles triunfem. Não me compete decidir se minha vida ou minha morte contribuirá mais para a salvação de todos. ... Podeis esperar tudo de mim... excepto fuga e renúncia. Fugir não posso, e menos ainda me retratar." - D'Aubigné.
Catedral de Worms
Quando em Worms circularam as notícias de que Lutero deveria comparecer perante a Dieta, houve geral excitação. Aleandro, o delegado papal a quem fora especialmente confiado o caso, estava alarmado e enraivecido. Via que o resultado seria desastroso para a causa papal. Instituir inquérito sobre um caso em que o papa já havia pronunciado sentença de morte, seria lançar o desdém sobre a autoridade do soberano pontífice. Além disso, tinha apreensões de que os eloquentes e poderosos argumentos daquele homem pudessem desviar da causa do papa muitos dos príncipes.
Com muita insistência, pois, advertiu Carlos contra o aparecimento de Lutero em Worms. Por este tempo foi publicada a bula que declarava a excomunhão de Lutero. Este fato, em acréscimo às representações do

O MAIS SAGRADO DIREITO DO HOMEM

Os reformadores ingleses, conquanto renunciassem às doutrinas do catolicismo, retiveram muitas de suas formas. Assim, posto que rejeitados a autoridade e o credo de Roma, não poucos de seus costumes e cerimónias foram incorporados ao culto da Igreja Anglicana. Alegava-se que essas coisas não constituíam questões de consciência, e que, embora não ordenadas nas Escrituras, e portanto não essenciais, não eram más em si mesmas, visto não serem proibidas. Sua observância tendia a diminuir o abismo que separava de Roma as igrejas reformadas, e insistia-se que promoveriam a aceitação da fé protestante pelos romanistas.
Aos conservadores e condescendentes, pareciam decisivos estes argumentos. Havia, porém, outra classe que assim não pensava. O fato de que esses costumes "tendiam a lançar uma ponte sobre o abismo entre Roma e a Reforma" (Martyn), era em sua opinião um argumento conclusivo contra o retê-los. Olhavam para eles como distintivos da escravidão de que haviam sido libertados, e para a qual não se sentiam dispostos a voltar. Raciocinavam que Deus, em Sua Palavra, estabeleceu regras para ordenar o Seu culto, e que os homens não estão na liberdade de acrescentar a essas regras ou delas tirar qualquer coisa. O princípio mesmo da grande apostasia consistiu em procurar fazer da autoridade da igreja um suplemento da autoridade de Deus. Roma começou por ordenar o que Deus não tinha proibido, e acabou por proibir o que Ele havia explicitamente ordenado.
Muitos desejavam fervorosamente voltar à pureza e simplicidade que caracterizavam a igreja primitiva. Consideravam muitos dos costumes estabelecidos pela Igreja Anglicana como monumentos da idolatria, e não podiam conscienciosamente unir-se a seu culto. Mas a igreja, apoiada pela autoridade civil, não permitia opiniões contrárias às suas formas. A assistência aos seus cultos era exigida por lei, e proibiam-se as assembleias para culto que não tivessem autorização, sob pena de encarceramento, exílio e morte.
No início do século XVII, o monarca que acabara de subir ao trono da Inglaterra declarou sua decisão de fazer com que os puritanos "se conformassem ou ... oprimi-los-ia para saírem do país, ou faria coisa pior". - História dos Estados Unidos da América, George Bancroft. Perseguidos e aprisionados, não podiam divisar no futuro vislumbres de melhores dias, e muitos chegaram à convicção de que, para os que quisessem servir a Deus segundo os ditames de sua consciência, "a Inglaterra estava deixando de ser para sempre um lugar habitável". - História da Nova Inglaterra, J. G. Palfrey. Alguns resolveram, por fim, buscar refúgio na Holanda. Encararam dificuldades, prejuízos e prisão. Seus intuitos foram contrariados, e eles entregues às mãos de seus inimigos. Mas a inabalável perseverança venceu finalmente, e encontraram abrigo nas praias amigas da república holandesa.
Em sua fuga deixaram casas, bens e meios de vida. Eram estrangeiros em terra estranha, entre um povo de língua e costumes diferentes. Foram obrigados a recorrer a ocupações novas e a que não estavam afeitos, a fim de ganhar o pão. Homens de meia-idade, que haviam empregado a vida no cultivo do solo, tiveram agora de aprender ofícios mecânicos. Animadamente, porém, enfrentaram a situação, e não perderam tempo em ociosidade ou murmurações. Posto que muitas vezes premidos pela pobreza, agradeciam a Deus as

18.3.11

REFORMA OU TRAIÇÃO?

«Nesse tempo, muitos serão escandalizados, e trair-se-ão uns aos outros, e uns aos outros se aborrecerão.» Mat. 24:10.

«Ao aproximar-se a tempestade, uma classe numerosa que tem professado fé na mensagem do terceiro anjo, mas que não tem sido santificada pela obediência à verdade, abandona a sua posição, passando para as fileiras do adversário. Unindo-se ao mundo, e participando do seu espírito, chegaram a ver as coisas quase sob a mesma luz; e, em vindo a prova, estão prontos a escolher o lado fácil, popular. Homens de talento e maneiras agradáveis, que se haviam já regozijado na verdade, empregam a sua capacidade em enganar e transviar as almas. Tornam-se os piores inimigos dos seus antigos irmãos. Quando os observadores do Sábado forem levados perante os tribunais para responder pela sua fé, estes apóstatas serão os mais activos agentes de Satanás para representá-los falsamente e os acusar e, por meio de falsos boatos e insinuações, instigar os governantes contra eles.» O Grande Conflito, p. 488-489; citado em Meditações matinais de 1977, p. 194.

AS PALAVRAS DE ACUSAÇÃO NÃO VÊM DE DEUS

«Deus tem um povo em que todo o Céu se acha interessado, e eles são o único objecto na Terra, precioso ao coração de Deus. Que todos os que lerem estas palavras lhe dêem toda a consideração; pois em nome de Jesus desejo com elas impressionar cada alma. Quando se levanta alguém, do nosso meio ou fora de nós, tendo a preocupação de proclamar uma mensagem que declare que o povo de Deus pertence ao número dos de Babilónia, e que pretenda que o alto clamor é um chamado pata sair dela, podereis saber que esse tal não é portador da mensagem de verdade. Não o recebais, não lhe desejeis bom êxito; pois Deus não falou por ele, nem lhe confiou uma mensagem, mas ele correu antes de ser enviado. Surgirão mensagens de acusação contra o povo de Deus, imitando a obra feita por Satanás em acusar o povo de Deus, e estas mensagens serão proclamadas na mesma ocasião em que Deus diz ao Seu povo: ‘Levanta-te, resplandece, porque já vem a tua luz, e a glória do Senhor vem nascendo sobre ti. Porque eis que as trevas cobriram a

15.3.11

A ESPERANÇA QUE INFUNDE ALEGRIA

Uma das verdades mais solenes, e não obstante mais gloriosas, reveladas na Escritura Sagrada, é a da segunda vinda de Cristo, para completar a grande obra da redenção. Ao povo de Deus, por tanto tempo a peregrinar em sua jornada na "região e sombra da morte" (Mat. 4:16), é dada uma esperança preciosa e inspiradora de alegria, na promessa do aparecimento dAquele que é "a ressurreição e a vida" (João 11:25), a fim de levar de novo ao lar Seus filhos exilados. A doutrina do segundo advento é, verdadeiramente, a nota tónica das Sagradas Escrituras. Desde o dia em que o primeiro par volveu os entristecidos passos para fora do Éden, os filhos da fé têm esperado a vinda do Prometido, para quebrar o poder do destruidor e de novo levá-los ao Paraíso perdido. Santos homens de outrora aguardavam o advento do Messias em glória, para a consumação de sua esperança. Enoque, apenas o sétimo na descendência dos que habitaram no Éden, e que na Terra durante três séculos andou com Deus, teve permissão para contemplar de muito longe a vinda do Libertador. "Eis que é vindo o Senhor", declarou ele, "com milhares

9.3.11

LUZ PARA OS NOSSOS DIAS

A obra de Deus na Terra apresenta, século após século, uma surpreendente semelhança, em todas as grandes reformas ou movimentos religiosos. Os princípios envolvidos no trato de Deus com os homens são sempre os mesmos. Os movimentos importantes do presente têm seu paralelo nos do passado, e a experiência da igreja nos séculos antigos encerra lições de grande valor para o nosso tempo.
Nenhuma verdade é mais claramente ensinada na Escritura do que aquela segundo a qual Deus, pelo Seu Espírito Santo, dirige de maneira especial Seus servos sobre a Terra, nos grandes movimentos que têm por objetivo promover a obra da salvação. Os homens são instrumentos nas mãos de Deus, por Ele empregados para cumprirem Seus propósitos de graça e misericórdia. Cada um tem a sua parte a desempenhar; a cada qual é concedida uma porção de luz, adaptada às necessidades de seu tempo, e suficiente para o habilitar a efetuar a obra que Deus lhe deu a fazer. Nenhum homem, porém, ainda que honrado pelo Céu, já chegou a compreender completamente o

2.3.11

UMA PROFECIA MUITO SIGNIFICATIVA

Um lavrador íntegro e de sentimentos honestos, que havia sido levado a duvidar da autoridade divina das Escrituras e que no entanto desejava sinceramente conhecer a verdade, foi o homem especialmente escolhido por Deus para iniciar a proclamação da segunda vinda de Cristo. Como outros muitos reformadores, Guilherme Miller lutou no princípio de sua vida com a pobreza, aprendendo assim as grandes lições de energia e renúncia. Os membros da família de que proveio caracterizavam-se por um espírito independente e amante da liberdade, pela capacidade de resistência e ardente patriotismo, traços que também eram preeminentes em seu caráter. Seu pai fora capitão no exército da Revolução, e, aos sacrifícios que fizera nas lutas e sofrimentos daquele tempestuoso período, podem-se atribuir as circunstâncias embaraçosas dos primeiros anos da vida de Miller.
Possuía ele robusta constituição física, e já na meninice dera provas de força intelectual superior à comum. Com o passar dos anos tornou-se isto ainda mais notório. Seu espírito era ativo e bem desenvolvido, e ardente sua sede de saber. Conquanto não desfrutasse as vantagens de uma educação superior, o seu amor ao estudo e o hábito de pensar cuidadosamente, bem como a aguda perspicácia, tornaram-no um homem de perfeito discernimento e largueza de vistas. Era dotado de irrepreensível caráter moral e nome invejável, sendo geralmente estimado por sua integridade, frugalidade e benevolência. À custa de energia e aplicação, adquiriu o necessário para viver, conservando, no entanto, seus hábitos de estudo. Ocupou com distinção vários cargos civis e militares, e as portas da riqueza e honra pareciam-lhe abertas de par em par.
Sua mãe era mulher verdadeiramente piedosa, e na infância estivera ele sujeito às impressões religiosas. No entanto, ao atingir o limiar da idade adulta, foi levado a associar-se com deístas, cuja influência foi tanto mais acentuada pelo fato de serem na maioria bons cidadãos, e homens de disposições humanitárias e benevolentes. Vivendo, como viviam, no meio de instituições cristãs, seu caráter tinha sido até certo ponto moldado pelo ambiente. As boas qualidades que lhes conquistaram respeito e confiança, deviam-nas à Bíblia, e, contudo, esses dons apreciáveis se haviam pervertido a ponto de exercer influência contra a Palavra de Deus. Pela associação com esses homens, Miller foi levado a adotar seus sentimentos. As interpretações corretas das Escrituras apresentavam dificuldades que lhe pareciam insuperáveis; todavia, sua nova crença, conquanto pusesse de lado a Escritura Sagrada, nada oferecia de melhor para substituí-la, e longe estava ele de sentir-se satisfeito. Continuou, entretanto, a manter estas opiniões durante mais ou menos doze anos. Mas com a idade de trinta e quatro anos, o Espírito Santo impressionou-lhe o coração com a intuição de seu estado pecaminoso. Não encontrou em sua crença anterior certeza alguma de felicidade além-túmulo. O futuro era negro e tétrico. Referindo-se mais tarde aos seus sentimentos nesta época, disse ele:
"O aniquilamento era um pensamento gélido e desalentador, e o fato de ter o homem de responder por seus actos significava destruição certa para todos. O céu era como bronze por sobre a minha cabeça e a terra como ferro sob os meus pés. A eternidade, que era? E a morte, por que existia? Quanto mais raciocinava, mais longe me achava da evidência. Quanto mais pensava, mais contraditórias eram as minhas conclusões. Tentei deixar de pensar, mas meus pensamentos não podiam ser dominados. Era verdadeiramente infeliz, mas não compreendia a causa. Murmurava e queixava-me, sem saber de quem. Sabia que algo havia de errado, mas não sabia como ou onde encontrar o que era repto. Lamentava, mas sem esperança."
Neste estado continuou durante alguns meses. "Subitamente", diz ele, "gravou-se-me ao vivo no espírito o caráter de um Salvador. Pareceu-me que bem poderia existir um Ser tão bom e compassivo que por nossas transgressões fizesse expiação, livrando-nos, assim, de sofrer a pena do pecado. Compreendi desde logo quão amável esse Ente deveria ser, e imaginei poder lançar-me aos Seus braços, confiante em Sua misericórdia. Mas surgiu a questão: Como se pode provar a existência desse Ser? Afora a Bíblia, achei que não poderia obter prova da existência de semelhante Salvador, nem sequer de uma existência futura. ...
"Vi que a Escritura Sagrada apresentava precisamente um Salvador como o que necessitava; e fiquei perplexo por ver como um livro não inspirado desenvolvia princípios tão perfeitamente adaptados às necessidades de um mundo decaído. Fui constrangido a admitir que as Escrituras devem ser uma revelação de Deus. Tornaram-se elas o meu deleite; e em Jesus encontrei um amigo. O Salvador tornou-Se para mim o primeiro entre dez mil; e as Escrituras, que antes eram obscuras e contraditórias, tornaram-se agora a lâmpada para os meus pés e luz para meu caminho. Meu espírito tranquilizou-se e ficou satisfeito. Achei que o Senhor Deus é uma Rocha em meio do oceano da vida. A Bíblia tornou-se então o meu estudo principal e, posso em verdade dizer, pesquisava-a com grande deleite. Vi que a metade nunca se me havia dito. Admirava-me de que me não tivesse apercebido antes, de sua beleza e glória; e maravilhava-me de que já a pudesse haver rejeitado. Tudo que o coração poderia desejar, encontrei revelado, como um remédio para toda enfermidade da alma. Perdi todo o gosto para outra leitura, e apliquei o coração a obter a sabedoria de Deus." - Memórias de Guilherme Miller, S. Bliss.
Miller professou publicamente sua fé na religião que antes desprezara. Seus companheiros incrédulos,