18.1.10

SIMÃO, DORMES? NÃO PODES VIGIAR UMA HORA?


E João, o amorável discípulo que se reclinara ao peito de Jesus, estava adormecido. Certamente o amor de João por seu Mestre o deveria ter mantido desperto. Suas fervorosas orações se deveriam ter misturado às do amado Salvador, no momento de Sua suprema aflição. O Redentor passara noites inteiras orando pelos discípulos, para que sua fé não desfalecesse. Fizesse Jesus agora a Tiago e a João a pergunta que uma vez lhes dirigira: "Podeis vós beber o cálice que Eu hei de beber, e ser batizados com o batismo com que Eu sou batizado?" e eles não teriam ousado responder: "Podemos." Mat. 20:22.
Os discípulos acordaram à voz de Jesus, porém mal O conheceram, tão mudado estava Seu semblante pela angústia. Dirigindo-Se a Pedro, disse Jesus: "Simão, dormes? Não podes vigiar uma hora? Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito na verdade está pronto, mas a carne é fraca." Mar. 14:37 e 38. A fraqueza dos discípulos despertou a simpatia de Jesus. Temia que não fossem capazes de resistir à prova que lhes sobreviria em Sua entrega e morte. Não os reprovou, mas disse: "Vigiai e orai, para que não entreis em tentação." Mesmo em Sua grande agonia, buscava desculpar-lhes a fraqueza. "O espírito na verdade está pronto", disse, "mas a carne é fraca." Novamente foi o Filho de Deus tomado de sobre-humana aflição e, desfalecido e exausto, arrastou-Se outra vez para o lugar de Sua luta anterior. Seu sofrimento era ainda maior que antes. Ao sobrevir-Lhe a agonia da alma, "Seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que corriam até ao chão". Luc. 22:44. Os ciprestes e as palmeiras foram as silenciosas testemunhas de Sua angústia. Dos folhudos ramos caía denso orvalho sobre Seu corpo prostrado, como se a natureza chorasse sobre seu Autor sozinho em luta contra os poderes das trevas.
Pouco tempo antes, Jesus Se mostrara qual vigoroso cedro, resistindo à tempestade da oposição que desencadeava contra Ele sua fúria. Vontades obstinadas e corações cheios de maldade e sutileza, em vão lutaram para O confundir e oprimir. Apresentara-Se em divina majestade, como o Filho de Deus. Agora era como uma cana açoitada e pendida por furiosa tempestade. Vencedor, aproximara-Se da consumação de Sua obra, havendo conquistado a cada passo a vitória sobre os poderes das trevas. Como já glorificado, afirmara ter unidade com Deus. Com firmes acentos entoara Seus cânticos de louvor. Dirigira aos discípulos palavras de ânimo e ternura. Agora chegara a hora do poder das trevas. Agora se Lhe ouvia a voz no silêncio da noite, não em notas de triunfo, mas plena de humana angústia. As palavras do Salvador foram levadas aos ouvidos dos entorpecidos discípulos: "Meu Pai, se este cálice não pode passar de Mim sem Eu o beber, faça-se a Tua vontade." Mat. 26:42.
O primeiro impulso dos discípulos foi ir ter com Ele; mas pedira-lhes que ficassem ali, velando em oração. Quando Jesus chegou a eles, achou-os ainda adormecidos. De novo sentira Ele o anseio da companhia, de algumas palavras dos discípulos, que trouxessem alívio e quebrassem o encanto das trevas que quase O venciam. Mas seus olhos estavam carregados; "e não sabiam que responder-Lhe". Mar. 14:40. Sua presença os despertou. Viram-Lhe o rosto manchado com o suor sanguinolento da agonia, e encheram-se de temor. Sua angústia mental, não a podiam compreender. "O Seu parecer estava tão desfigurado, mais do que o dos outros filhos dos homens." Isa. 52:14.
Voltando, Jesus tornou a procurar o Seu retiro, caindo prostrado, vencido pelo horror de uma grande treva. A humanidade do Filho de Deus tremia naquela probante hora. Não orava agora pelos discípulos, para que a fé deles não desfalecesse, mas por Sua própria alma assediada de tentação e angústia. O tremendo momento chegara - aquele momento que decidiria o destino do mundo. Na balança oscilava a sorte da humanidade. Cristo ainda podia, mesmo então, recusar beber o cálice reservado ao homem culpado. Ainda não era demasiado tarde. Poderia enxugar da fronte o suor de sangue, e deixar perecer o homem em sua iniqüidade. Poderia dizer: Receba o pecador o castigo de seu pecado, e Eu voltarei a Meu Pai. Beberá o Filho de Deus o amargo cálice da humilhação e da agonia? Sofrerá o Inocente as conseqüências da maldição do pecado, para salvar o criminoso? Trêmulas caem as palavras dos pálidos lábios de Jesus: "Pai Meu, se este cálice não pode passar de Mim sem Eu o beber, faça-se a Tua vontade." Mat. 26:42.
Três vezes proferiu essa oração. Três vezes recuou Sua humanidade do derradeiro, supremo sacrifício. Surge, porém, então, a história da raça humana diante do Redentor do mundo. Vê que os transgressores da lei, se deixados a si mesmos, têm de perecer. Vê o desamparo do homem. Vê o poder do pecado. As misérias e os ais do mundo condenado erguem-se ante Ele.
Contempla-lhe a sorte iminente, e decide-Se. Salvará o homem custe o que custar de Sua parte. Aceita Seu batismo de sangue, para que, por meio dEle, milhões de almas a perecer obtenham a vida eterna. Deixou as cortes celestiais, onde tudo é pureza, felicidade e glória para salvar a única ovelha perdida, o único mundo caído pela transgressão. E não Se desviará de Sua missão. Tornar-Se-á a propiciação de uma raça que quis pecar. Sua prece agora respira apenas submissão: "Se este cálice não pode passar de Mim sem Eu o beber, faça-se a Tua vontade." Mat. 26:42.
Havendo tomado a decisão, cai moribundo no solo do qual Se erguera parcialmente. Onde se achavam então os discípulos, para pôr ternamente as mãos sob a cabeça do desfalecido Mestre, e banhar aquela fronte, na verdade mais desfigurada que a dos outros filhos dos homens? O Salvador pisou sozinho o lagar, e do povo nenhum com Ele havia.
Mas Deus sofria com Seu Filho. Anjos contemplavam a agonia do Salvador. Viam seu Senhor circundado de legiões das forças satânicas, Sua natureza vergada ao peso de misterioso pavor que todo O fazia tremer. Houve silêncio no Céu. Nenhuma harpa soava. Pudessem os mortais ter testemunhado o assombro das hostes angélicas quando, em silenciosa dor, observavam o Pai retirando de Seu bem-amado Filho os raios de luz, amor e glória, e melhor compreenderiam quão ofensivo é aos Seus olhos o pecado.
Os mundos não caídos e os anjos celestiais vigiavam com intenso interesse o conflito que se aproximava do desfecho. Satanás e suas hostes do mal, as legiões da apostasia, seguiam muito atentamente essa grande crise na obra da redenção. Os poderes do bem e do mal aguardavam para ver qual a resposta que seria dada à oração de Cristo - três vezes repetida. Os anjos anelavam trazer alívio ao divino Sofredor, mas isso não podia ser. Nenhum meio de escape havia para o Filho de Deus. Nessa horrível crise, quando tudo estava em jogo, quando o misterioso cálice tremia nas mãos do Sofredor, abriu-se o Céu, surgiu uma luz por entre a tempestuosa treva da hora da crise, e o poderoso anjo que se acha na presença de Deus, ocupando a posição da qual Satanás caíra, veio para junto de Cristo. O anjo não veio para tomar-Lhe o cálice das mãos, mas para fortalecê-Lo a fim de que o bebesse, com a certeza do amor do Pai. Veio para dar força ao divino-humano Suplicante. Ele Lhe apontou os Céus abertos, falando-Lhe das almas que seriam salvas em resultado de Seus sofrimentos. Afirmou-Lhe que Seu Pai é maior e mais poderoso que Satanás, que Sua morte redundaria na sua inteira derrota, e que o reino deste mundo seria dado aos santos do Altíssimo. Disse-Lhe que Ele veria o trabalho de Sua alma, e ficaria satisfeito,
pois contemplaria uma multidão de membros da família humana salvos, eternamente salvos.
A agonia de Cristo não cessou, mas Sua depressão e desânimo O deixaram. A tempestade não amainou de maneira alguma, mas Aquele que dela era objeto estava fortalecido para lhe enfrentar a fúria. Saiu calmo e sereno. Uma paz celestial pairava-Lhe no rosto manchado de sangue. Suportara aquilo que criatura alguma humana jamais poderia sofrer; pois provara os sofrimentos da morte por todos os homens.
Os adormecidos discípulos foram subitamente despertados pela luz que circundava o Salvador. Viram o anjo inclinado sobre o prostrado Mestre. Viram-no erguer a cabeça do Salvador sobre seu seio, e apontar para o Céu. Ouviram-lhe a voz, qual música suave, proferindo palavras de conforto e esperança. Os discípulos recordaram a cena do monte da transfiguração. Lembraram a glória que, no templo, envolvera a Jesus, e a voz de Deus, que falara da nuvem. Agora se revelava aquela mesma glória, e não tiveram mais temor pelo Mestre. Ele Se achava sob o cuidado de Deus; um poderoso anjo fora enviado para O proteger. Novamente os discípulos, em sua fadiga, cedem àquele estranho torpor que os domina. Novamente Jesus vai os encontrar adormecidos.
Contemplando-os dolorosamente, diz Ele: "Dormi agora, e repousai; eis que é chegada a hora, e o Filho do homem será entregue nas mãos dos pecadores."
Mesmo ao proferir essas palavras, ouviu as pisadas da turba que vinha em Sua procura, e disse: "Levantai-vos, partamos; eis que é chegado o que Me trai." Mat. 26:45 e 46.

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