19.3.12

A Perfeição Divina no Antigo Testamento

Embora o Antigo Testamento repetidamente afirma que o Deus de Israel (Yahweh) é santo e justo, gracioso e misericordioso, nenhuma vez ela diz explicitamente: Deus é perfeito. Contudo, o termo “perfeito /perfeição” é usado várias vezes concernente a Deus, mas sempre referindo-se à relação de Deus com Israel. Três textos usam a palavra heb. “tãmim”, (perfeito, inculpável), com respeito a Deus:

(1) Deut. 32:4: “Eis a Rocha! Suas obras são perfeitas, porque todos os seus caminhos são juízo; Deus é fidelidade, e não há nele injustiça; é justo e reto”.

(2) Sal. 18:30: “O caminho de Deus é perfeito; a palavra do SENHOR é provada; ele é escudo para todos os que nele se refugiam.”

(3) Sal. 19:7: “A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma; o testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices.”

Em cada vez, estes textos revelam que os atos redentores de Deus e a instrução ao Seu povo do concerto são perfeitos: Sua obra, Seu Caminho, Seu Torah (toda a Instrução divina) são perfeitos para Israel. Deus tinha estabelecido um único e perfeito relacionamento com Seu povo escolhido através de Isaías. Ele mesmo os desafiou-os com a questão: “Que mais se podia fazer ainda à minha vinha, que eu não lhe tenha feito? E como, esperando eu que desse uvas boas, veio a produzir uvas bravas?” (Isa. 5:4).

Deus tinha redimido Israel da casa da servidão, o Egito, através dos julgamentos das dez pragas, a miraculosa abertura das águas do mar vermelho, e a completa destruição dos perseguidores egípcios – uma perfeita redenção. Ele os tinha conduzido durante 40 anos no deserto rumo à Canaã, dando-lhes maná do céu e água da rocha – uma perfeita guia, provendo-lhes para todas as necessidades. As suas vestes não se rasgaram, nem os seus pés incharam durante aqueles 40 anos (Deut. 8:4) – um perfeito
cuidado.

O divino Redentor tinha dado ao Seu povo redimido no Sinai o Seu santo concerto, consistindo de Dez Mandamentos embutidos dentro do santuário e seu culto expiatório da graça perdoadora. O dinâmico inter-relacionamento desta grande lei moral-religiosa com a graça expiatória do santuário outorgava aos adoradores reavivamento da alma e alegria de coração. No santuário, Deus mesmo revelava Sua presença, habitando assim entre o Seu povo, e transformando o verdadeiro adorador por Seu glorioso poder. “Assim, eu te contemplo no santuário, para ver a tua força e a tua glória.” (Sal. 63:2). Esta é a perfeição do Torah de Yahweh: “A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma.” (Sal. 19:7).

O Antigo Testamento não está interessado em tentar explicar como Deus é perfeito em Si mesmo. Isso não seria de nenhum benefício ao homem. A perfeição de Deus é enfaticamente proclamada como Seu amor redentor e santa justiça para Israel. Ele é perfeito como um Deus fiel e confiável que cumpre fielmente Suas promessas salvadoras, reavivando a alma e iluminando os simples.

Quão distante é o quadro do Antigo Testamento de Deus de todo o conceito puramente filosófico acerca de Deus. O deus de Aristóteles, por exemplo, era o produto do seu próprio engenhoso pensamento, a peça coroadora do seu sistema lógico de filosofia. O seu deus era a necessária, mas abstracta ideia do puro pensamento somente, “Pensamento em si”, e portanto, isento de todos os sentimentos e afeições. Todas as expressões emocionais eram consideradas como distúrbios de perfeito pensamento para Aristóteles. Seu deus era uma imagem criada pelos mais altos conceitos do homem: um deus sem paixões, amor, ira, ou intervenções na história humana.

O testemunho de Israel de Deus, dramaticamente falando e atuando como Criador-Redentor deu um quadro fundamentalmente diferente de Deus. Isso também diferiu radicalmente de todos os conceitos de Deus das nações gentílicas contemporâneas. Enquanto cada nação antiga tinha seu panteão, contendo uma pluralidade de deuses e deusas representados por estátuas e imagens de escultura, o Deus de Israel tinha explicitamente proibido a fabricação de qualquer imagem esculpidas d´Ele (Êxo. 20:4). Ele excedeu a todos os conceitos humanos de Deus, permanecendo o verdadeiro e soberano Deus. O Tabernáculo ou santuário de Israel não continha nenhuma imagem de Yahweh. O rei Salomão mesmo confessou em sua oração de inauguração do magnificente Templo: “Mas, de fato, habitaria Deus na terra? Eis que os céus e até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei. “

Isaías tenta despertar Israel a uma nova visão da majestade superior de Yahweh e soberano governo, apontando a incontáveis estrelas em seus movimentos ordenados: “A quem, pois, me comparareis para que eu lhe seja igual? — diz o Santo. Levantai ao alto os olhos e vede. Quem criou estas coisas? Aquele que faz sair o seu exército de estrelas, todas bem contadas, as quais ele chama pelo nome; por ser ele grande em força e forte em poder, nem uma só vem a faltar.” (Isa. 40:25-26).

Deus Se revelou a Si mesmo a Isaías em Sua incomparável santidade, uma categoria que só pode ser experimentada, e portando não pode ser achada por mero pensamento humano. Isaías experimentou a esmagadora realidade de santidade quando lhe foi dada uma visão do Santo em Sua glória celestial e ouviu os serafins cantando: “Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória.” (Isa. 6:3).

O encontro pessoal com o santo Deus trouxe a Isaías a súbita compreensão de sua própria inerente pecaminosidade, levando-o a exclamar: “Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos!” (Isa. 6:5).

Esta dramática revelação da santidade de Deus deu ao nobre profeta um novo entendimento, a descoberta de sua completa indignidade quando contrastada com a infinita pureza. Contudo, esta experiência não foi o fim dos caminhos de Deus. O Senhor deu ao profeta arrependido Sua graça salvadora do Templo celestial: “A tua iniquidade foi tirada, e perdoado, o teu pecado.” (Isa. 6:7).

Quão vividamente esta história ensina que o amor de Deus é santo amor, que tanto ama o pecador como também odeia o pecado! Pecado – o espírito misterioso da desobediência e independência de Deus – é incompatível com Deus.

Semelhantemente, os profetas proclamam que Deus julgará o mundo e particularmente o Seu povo escolhido em justiça. “De todas as famílias da terra, somente a vós outros vos escolhi; portanto, eu vos punirei por todas as vossas iniquidades.” (Amós 3:2). “Mas o SENHOR dos Exércitos é exaltado em juízo; e Deus, o Santo, é santificado em justiça.” (Isa. 5:16). Contudo, mesmo quando Yahweh seja “tão puro de olhos que não pode ver o mal” (Hab. 1:13), a perfeição de Deus é salvar um remanescente por Sua graça, como o profeta Oseias retrata: “Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Como te faria como a Admá? Como fazer-te um Zeboim? Meu coração está comovido dentro de mim, as minhas compaixões, à uma, se acendem. Não executarei o furor da minha ira; não tornarei para destruir a Efraim, porque eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; não voltarei em ira.” (Oseias. 11:8-9).

Assim, a perfeição de Deus é revelada em santidade, amor, e justiça na concreta realidade da história de Israel. Desse modo, a perfeição de Deus é uma perfeição em ação, tendo em objetivo a salvação do homem neste mundo.

Isto significa dedicação de Deus e vontade inteira, não dividida, fiel para salvar o homem e para santificá-lo em Sua santa comunhão. Não admira que o profeta inspirado conclama a Israel para louvar tão maravilhoso Deus, para buscar Sua força e presença, e para proclamar Seus feitos entre as nações com alegria, a fim de que todos os povos possam adorá-lO: “Rendei graças ao SENHOR, invocai o seu nome, fazei conhecidos, entre os povos, os seus feitos. Cantai-lhe, cantai-lhe salmos; narrai todas as suas maravilhas. Gloriai-vos no seu santo nome; alegre-se o coração dos que buscam o SENHOR. Buscai o SENHOR e o seu poder; buscai perpetuamente a sua presença. Lembrai-vos das maravilhas que fez, dos seus prodígios e dos juízos de seus lábios, vós, descendentes de Abraão, seu servo, vós, filhos de Jacó, seus escolhidos.” (Sal. 105:1-6).

É importante notar que Moisés usa o termo “justo” (saddîq), ou “reto” (yashar) como sinónimos virtuais da perfeição de Deus (Deut. 32:4). Mais especificamente, os atos redentores de Yahweh por Israel desde o Egito são chamados “a justiça” (sidqôt) ou os justos feitos de Yahweh (Miq. 6:5; Juí. 5:11). A versão RSV traduz o sidqôt de Yahweh geralmente por “atos salvadores” ou “os triunfos do Senhor”. Tais traduções são mais uma interpretação, escondendo o importante conceito hebraico da justiça de Deus, como um ato de salvação pela graça de Deus em fidelidade a Seu concerto com Israel. É verdade que a justiça de Deus também pode significar justiça de Deus como um ato de destruição ou retribuição pelo pecado. Mas estes conceitos não são contraditórios. O ato de justiça salvadora é sempre realizado em benefício do fiel povo do concerto; o ato de destruição ou justiça punitiva sobre os inimigos declarados de Israel, que ameaçavam o povo do concerto e impediam o concerto de ser cumprido em Israel.

Portanto, o piedoso israelita em tempos de estresse e opressão invoca o Deus da justiça como o meio de salvação e libertação (Sal. 31:1; 35:24; 71:2). Deus assegura ao Seu castigado povo do concerto que Ele os fortalecerá, ajudará, e os sustentará com a destra da Sua justiça (Isa. 41:10; 45:8). Assim Deus é justo quando outorga misericórdia e graça. Ele não é parcialmente justo e parcialmente gracioso, mas ambos plenamente.

A conexão entre santidade, justiça, fidelidade, firme amor e perfeição, portanto, parece ser muito íntima. Podemos dizer que a perfeição de Deus no Antigo Testamento significa que Seu caminho ou as revelações de Sua santidade, justiça e amor fiel são perfeitos. E a esta perfeição o homem é chamado a seguir e a manifestar no andar com seu Criador e Deus da aliança.

Ser criado à imagem de Deus implica a obrigação de segui-lO, refletindo a Sua imagem na vida social. Assim, a Escritura conta da perfeição de Noé, Abraão, Jó, e de todos os verdadeiros israelitas: “Eis a história de Noé. Noé era homem justo e íntegro entre os seus contemporâneos; Noé andava com Deus” (Gén. 6:9). “Apareceu o SENHOR a Abraão e lhe disse: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; anda na minha presença e sê perfeito.” (Gén. 17:1; Gén. 26:5). “Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal.” (Jó 1:1). “Porque o SENHOR Deus é sol e escudo; o SENHOR dá graça e glória; nenhum bem sonega aos que andam retamente.” (Sal. 84:11). “Bem-aventurados os irrepreensíveis no seu caminho, que andam na lei do SENHOR.” (Sal. 119:1). “Abomináveis para o SENHOR são os perversos de coração, mas os que andam em integridade são o seu prazer.” (Pro. 11:20).

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