Os 150 salmos foram todos usados como hinos de culto
cantados pelos coros com acompanhamentos instrumentais no templo de Jerusalém.
Muitos deles foram compostos por Davi em sua juventude quando ele ainda era um
pastor nos montes da Judeia. Cantando seus hinos como orações, ele usava uma
harpa como seu instrumento musical.
Mais tarde, um grande número de canções de Davi foram
incorporados no culto do Templo oficial como o verdadeiro e legítimo meio de
adoração e comunhão com Deus (Nee. 12:24). No cânon da Escritura estas e outras
canções foram finalmente aceitas como efetivas e inspiradas orações, exemplares
para todos os que adoravam em espírito e em verdade na cidade de Jerusalém.
Uma característica emoção dos salmos bíblicos que fica acima
de toda a beleza literária e ascético prazer é o senso de contrição e uma
consciência despertada de pecado. Isto relembra a consciência profética dos
pecados de Judá e Israel quando contrastados com a revelação da santidade
divina e pureza moral. Pecado e santidade são corolários contrastantes. Um
profundo senso de um relaciona-se necessariamente com um grande conceito da
outra. Contudo, ambas ideias não são tanto conceitos intelectuais ou puramente
éticos, como são revelações divinas ao coração e à consciência do adorador que
recebe um lampejo da realidade do Deus de Israel.
Compositores como Davi, Asafe o levita, e outros tinham uma
experiência pessoal e viva com Deus, a quem
adoravam como o Criador do mundo e Redentor de Israel. Salmo 78 e 105-107 revelam um claro conhecimento do Torah de Moisés, lembrando sua mensagem com dramático apelo e fervor religioso.
adoravam como o Criador do mundo e Redentor de Israel. Salmo 78 e 105-107 revelam um claro conhecimento do Torah de Moisés, lembrando sua mensagem com dramático apelo e fervor religioso.
Os salmos despertavam Israel para a sua única herança,
erguendo-o de sua natural apatia e letargia, e estimulam o adorador à renovada
experiência do coração para o temor do Senhor. Eles fazem isso exibindo a
verdadeira natureza do pecado e culpa de um lado, e de justiça e perfeição de
outro lado.
Como podem os poetas do templo religioso cantar sobre a
perfeição ou justiça do homem, quando eles têm tão profunda consciência da
pecaminosidade humana? Um olhar em dois salmos nos ajudará a responder a esta
questão.
Salmo 19
"Quem há que possa discernir as próprias faltas?
Absolve-me das que me são ocultas. Também da soberba guarda o teu servo, que
ela não me domine; então, serei irrepreensível e ficarei livre de grande
transgressão." (Salmo 19:12-13). Tendo confessado a glória do Criador como
brilha de Suas obras da Criação, o salmista continua a reconhecer a maior
glória de Yahweh, brilhando de Seu Torah em luz salvadora para o povo do Seu
concerto. O Torah era experimentado pelo verdadeiro israelita como uma fonte de
alegria redentora, "mais desejáveis do que ouro, ... mais doces do que o
mel" (v. 10). Isso estimulava o crente à resposta moral de andar com seu
santo Deus, escolhendo seu caminho abençoado, e afastar-se da estrada da
desobediência.
"Além disso, por eles se admoesta o teu servo; em os
guardar, há grande recompensa." (v. 11). Considerando as reivindicações da
Infinita Pureza, Davi compreendeu que
nem a Natureza nem o Torah como tal poderiam salvar sua alma no julgamento.
Conhecendo os olhos perscrutadores do Senhor que pesa os motivos internos do
coração de cada homem (1Crô. 28:9), Davi
sentiu a pecaminosidade de seu ser que excedia todo o senso das transgressões
cerimoniais ou atos pecaminosos. Ele entendeu o pecado primariamente como uma
atitude rebelde e um ato contra Yahweh (Sal. 41:4; 51:4). O verdadeiro
discernimento do mal e da compreensão do pecado não era o resultado de
reflexões éticas, mas o dom da revelação do santo Deus do concerto.
Considerando o seu coração diante de Deus,
Davi moveu-se a uma confissão sincera de sua própria impotência moral,
orando pela graça perdoadora: "Quem há que possa discernir as próprias
faltas? Absolve-me das que me são ocultas." (Sal. 19:12).
Este longo alcance de consciência de pecado era o
característico específico religioso da adoração de Israel. O adorador
compreendia diante do seu santo Deus que ele era pecaminoso na essência do seu
ser e não podia mesmo determinar um adequado autoconhecimento. Em contraste com
toda a filosofia religiosa grega, que sempre começava com a ordem
"Conhece-te a ti mesmo!", a maneira israelita de autoconhecimento
começava com o conhecimento de Yahweh, o Doador da vida. "Pois em ti está
o manancial da vida; na tua luz, vemos a luz." (Sal. 36:9).
"Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus
pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho
eterno." (Sal.139:23-24). "Examina-me, Senhor, e prova-me; sonda-me o
coração e os pensamentos." (Sal. 26:2).
O salmista sabia que Yahweh estava pesando os mais profundos
motivos e desejos do seu coração em uma balança celestial e que Ele agiria de
acordo com ela. "Se eu no coração contemplara a vaidade, o Senhor não me
teria ouvido." (Sal. 68:18). Ele sabia que a observância meticulosa de
todos os cultos cerimoniais, a guarda dos sábados e festas, o cantar de orações
rituais seriam uma demonstração objetável de piedade se a fonte do coração não
estava purificada pelo Espírito de Yahweh. "Lava-me completamente da minha
iniquidade e purifica-me do meu pecado... Cria em mim, ó Deus, um coração puro
e renova dentro de mim um espírito inabalável... Restitui-me a alegria da tua
salvação e sustenta-me com um espírito voluntário...
Sacrifícios agradáveis a
Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito, não o
desprezarás, ó Deus." (Sal. 51: 2,10,12,17).
Perdão divino
pressupõe uma verdadeira, sincera contrição, sentindo o peso do pecado e uma
disposição para obedecer a Deus com alegria.
O profeta considera isto como um assunto de vida ou morte: "Vinde,
pois, e arrazoemos, diz o SENHOR; ainda que os vossos pecados sejam como a
escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como
o carmesim, se tornarão como a lã. Se quiserdes e me ouvirdes, comereis o
melhor desta terra. Mas, se recusardes e fordes rebeldes, sereis devorados à espada;
porque a boca do SENHOR o disse." (Isa. 1:18-20; ver também Deut. 28:47).
A oração de Davi de súplica em Sal. 19:12 considera o peso
do pecado à luz dos olhos de Deus; portanto, ele avalia a graça divina muito
altamente. Tendo pedido pela graça perdoadora de Deus, Davi continua orando
pela graça mantenedora, pelo poder que restringe os impulsos pecaminosos:
"Também da soberba guarda o teu servo, que ela não me domine; então, serei
irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão." (Sal. 19:13).
O que são pecados da "soberba"? Eles são
distinguidos de faltas escondidas ou inconscientes no verso 12. Estes dois
tipos de pecado – de soberba ou inconsciência – são identificados claramente na
Lei levítica, particularmente em Núm. 15. O santuário abria o caminho para o
perdão sacerdotal dos pecados de ignorância, que são pecados cometidos
involuntariamente, sem o pleno conhecimento de seu significado diante de Deus,
e após sério arrependimento dele. Arrependimento era o critério decisivo,
implicando confissão e o abandono do pecado, como afirmado no livro de
Provérbios: "O que encobre as suas transgressões jamais prosperará; mas o
que as confessa e deixa alcançará misericórdia." (Pro. 28:13). Pecados de
presunção, consequentemente são todos classificados diferentemente: "Mas a
pessoa que fizer alguma coisa atrevidamente, quer seja dos naturais quer dos
estrangeiros, injuria ao SENHOR; tal pessoa será eliminada do meio do seu povo,
pois desprezou a palavra do SENHOR e violou o seu mandamento; será eliminada
essa pessoa, e a sua iniquidade será sobre ela." (Num. 15:30-31).
Pecado cometido "com a mão levantada" (versão
Corrigida) significa não uma queda acidental no pecado, mas uma entrega ao
pecado em uma atitude de desafiar a autoridade de Deus. Então, o pecador
deliberadamente peca após ter recebido o "pleno conhecimento da
verdade" (Heb. 10:26). Consciente e voluntariamente ele despreza a palavra
revelada de Deus. Característica desse tipo de pecado é a ausência de qualquer
verdadeiro arrependimento, posteriormente quando o pecado é acariciado e
justificado.
Números 15: 32-36 apresenta um exemplo deste tipo de atitude
pecaminosa. Um homem desafiou o prévio mandamento de Deus para guardar o Sábado
do Senhor como um dia de solene repouso. "Portanto, guardareis o sábado,
porque é santo para vós outros; aquele que o profanar morrerá; pois qualquer
que nele fizer alguma obra será eliminado do meio do seu povo. Seis dias se
trabalhará, porém o sétimo dia é o sábado do repouso solene, santo ao SENHOR;
qualquer que no dia do sábado fizer alguma obra morrerá." (Êxo. 31:14-15).
Mostrando o seu desprezo pela Lei de Deus, um homem se aventurou em aberta
rejeição da vontade revelada de Deus, ajuntando lenha no Sábado. Por veredito
divino este homem rebelde devia morrer. Ellen G. White explana isto: "O
ato deste homem foi uma violação voluntária e deliberada do quarto mandamento -
pecado este não cometido por inadvertência ou ignorância, mas por
presunção." (Patriarcas e Profetas, 409).
O Torah, portanto, define presunção como um desafio à
autoridade de Deus, um desprezo da obediência às ordenanças divinas (Deut.
17:12). Não há provisão de expiação ou perdão para tal pecado, desde que então
o pecado seria desculpado ou basicamente eternizado (ver 1Sam. 3:14; Isa.
22:14; Jer. 7:16).
Isto não implica em que seres mortais podem determinar
quando um pecado de presunção está sendo cometido. Quem pode discernir os
motivos do coração de um homem? Jeremias
nos lembra: "Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e
desesperadamente corrupto; quem o conhecerá? Eu, o SENHOR, esquadrinho o
coração, eu provo os pensamentos; e isto para dar a cada um segundo o seu
proceder, segundo o fruto das suas ações." (Jer. 17:9-10). Sentindo sua
grande necessidade do poder salvador e santificador, ele portanto, ora:
"Cura-me, SENHOR, e serei curado, salva-me, e serei salvo; porque tu és o
meu louvor." (Jer. 17:14).
Por esta dupla graça
Davi orou no Salmo 19: 12-13. Não somente perdão ele procurava, mas uma
vida santificada sob a graça prevalecente de Deus. Ele pediu por ambas estas
coisas: pelo apagar de sua culpa e a subjugação dos poderes do mal que lutam
pelo domínio. Então ele cria, ele seria um servo justo de Yahweh, sua
"Rocha e Redentor". "Então, serei irrepreensível e ficarei livre
de grande transgressão." (Sal. 19:13).
Assim, o Salmo 19 declara que perfeição humana não é o
cultivo de alguma inerente bondade na natureza do homem, mas o persistente
andar em dependência do perdão e graça mantenedora de Yahweh. Perdão divino
restaurou Israel na abençoada e perfeita comunhão com Yahweh. Embora culpa e
pecado possam ser distinguidos, o Antigo Testamento nunca separa culpa do ato
ou vida de pecado. Consequentemente, perdão também possui uma relação sobre a
vida moral. O poder dominante do pecado é quebrado, quando Deus mesmo governa
supremo. Esta perfeição é tanto um dom quanto um requerimento do concerto de
Deus com Israel.
Um homem pode inadvertidamente cair em um pecado, uma
transgressão da Lei do concerto, mas isto não o separa de Deus ou de Seu povo.
O serviço do santuário provia reconciliação para o arrependido adorador pelos
meios do sangue da expiação sobre o altar (Lev. 4). Não havia perfeição sem
expiação cúltica no concerto de Deus com Israel.
Qualquer perfeição moral que uma voluntária obediência a
Deus pudesse desenvolver, nunca podia ser relacionada com um sentimento de
santidade ou justiça própria. A experiência de um contrito coração e um
espírito humilde apenas aumentariam em intensidade se o santo Yahweh habitasse
mais e mais no suplicante adorador. "Porque assim diz o Alto, o Sublime,
que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no alto e santo
lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o
espírito dos abatidos e vivificar o coração dos contritos." (Isa. 57:15).
Salmo 15
No Salmo 15, nós encontramos de novo perfeição (tamîm).
Desta vez é o pré-requisito moral para entrar no templo e desfrutar da proteção
e bênção de Yahweh. "Quem, SENHOR, habitará no teu tabernáculo? Quem há de
morar no teu santo monte? O que vive com integridade, e pratica a justiça, e,
de coração, fala a verdade" (Sal. 15:1, 2).
Soa estranho ouvir
que perfeição é o pré-requisito para adoração de Yahweh e recebimento de Sua
graciosa comunhão. Não é a perfeição o próprio dom a ser procurado e recebido
no santuário? Como então pode a perfeição ser uma condição para a participação
da adoração de Israel?
Para achar o próprio escopo do Salmo 15, precisamos buscar a
mais ampla perspectiva de todo o Torah. Moralidade não era a base da eleição de
Deus a Israel (Deut. 7-9). A grande salvação histórica do Êxodo e o concerto subsequente
com Israel no Sinai foram dons reais de Yahweh, dados por Sua graça somente, em
fidelidade às promessas de Deus aos patriarcas. O próprio nome do Deus de
Israel, Yahweh, denota-O como o gracioso e fiel Deus do concerto.
O Salmo 15, começa com uma questão suplicante: "Quem,
SENHOR, habitará no teu tabernáculo?"; portanto, pressupõe imediatamente o
concerto da graça expiatória. Tanto a Lei como o Santuário eram dons do
concerto de Deus, provendo uma contínua expiação para Israel, a presença
permanente do santo amor de Deus. O ministério sacerdotal da graça perdoadora
não intentava perdoar a culpa no abstrato. Pelo contrário, ele intentava tirar
os pecados, tanto no aspecto da culpa, como em seu real domínio na conduta do
homem (ver acima sobre o Sal. 19).
De acordo com isto, era prerrogativa e dever de Israel andar
com Deus e com seus semelhantes em uma nova obediência à vontade de Deus. Os
poderes divinos da graça redentora, como manifestados na libertação de Israel
do Egito, a casa da escravidão, estavam disponíveis a partir daí no serviço
sacerdotal do santuário. O propósito da festa anual da Páscoa era para renovar
e continuar a redenção graciosa e comunhão do concerto com Yahweh, para dar a
Israel uma renovada e vívida participação na salvação histórica do Êxodo. A
mesma graça era oferecida por Deus diariamente no santuário. Contudo, era a
santa graça que purificava da injustiça e impiedade, transformando o coração do
adorador.
"Continua a tua benignidade aos que te conhecem, e a
tua justiça, aos retos de coração. Não me calque o pé da insolência, nem me
repila a mão dos ímpios." (Sal. 36:10-11). "Porém eu, pela riqueza da
tua misericórdia, entrarei na tua casa e me prostrarei diante do teu santo
templo, no teu temor." (Sal. 5:7).
A ardente santidade e honra de Deus como Rei não poderiam
suportar um povo profano e impuro que fosse escravizado pelo pecado ou tivesse
o coração dividido. Israel deveria ser uma nação santa, uma luz para os
gentios, gloriando-se não em sua sabedoria, riquezas ou poder, mas em seu
conhecimento do verdadeiro Deus vivente (Jer. 9:23-24). Era seu santo
privilégio andar em voluntária e alegre obediência a Deus, que incluía
arrependimento, confissão e restauração.
Este novo coração necessariamente seria manifestado em fazer
o que é direito de acordo ao concerto, falando a verdade do coração. Assim, o
concerto da graça transformadora provia o poder motivador para uma nova conduta
sócio-ética. A participação na festas anuais é condicionada, diz o Salmo 15,
pela aceitação e apropriação da salvação e graça previamente recebidas.
A recusa para arrepender-se, por rejeitar a obediência
voluntária ao concerto de Deus, caracteriza o pecado como pecado de presunção.
Por outro lado, o requerimento do Salmo 15 não é um senso de isenção de pecado
ou um sentimento de justiça própria. Como poderia tal emoção mesmo existir em
uma profunda convicção de indignidade diante de Deus?
O que o Salmo 15 requer é uma vida social e ética purificada
e fiel, como apresentada nos versos 3-5: "O que não difama com sua língua,
não faz mal ao próximo, nem lança injúria contra o seu vizinho; o que, a seus
olhos, tem por desprezível ao réprobo, mas honra aos que temem ao SENHOR; o que
jura com dano próprio e não se retrata; o que não empresta o seu dinheiro com
usura, nem aceita suborno contra o inocente. Quem deste modo procede não será
jamais abalado."
Este modo de vida do concerto pela graça de Deus é um
perfeito andar, por causa que o coração é purificado e as mãos são limpas (v.
2). Esta mensagem também é comunicada em outro salmo de Davi: "Quem subirá ao monte do SENHOR?
Quem há de permanecer no seu santo lugar? O que é limpo de mãos e puro de
coração, que não entrega a sua alma à falsidade, nem jura dolosamente. Este
obterá do SENHOR a bênção e a justiça do Deus da sua salvação. Tal é a geração
dos que o buscam, dos que buscam a face do Deus de Jacó." (Salmo 24:3-6).
Mais forte do que o Salmo 15 aparenta aqui é o
inter-relacionamento indissolúvel da experiência redentiva e da vida moral.
Aqueles que buscam a Deus em oração, que diariamente O fazem Seu Senhor e
Salvador, receberão bênção e vindicação divinas. Toda a vida moral é enraizada
e ancorada na graciosa redenção de Deus como recebida no serviço do templo de
Israel.
Dr. Hans LaRondelle
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