Este capítulo é baseado em Atos 28:11-31 e da Epístola a
Filemom.
Vindo o tempo próprio para a navegação, o centurião e seus
prisioneiros retomaram a viagem para Roma. Um navio alexandrino, o “Castor e
Polux” (Atos 28:11), tinha invernado em Malta, em sua viagem para o oeste, e
nele os viajantes embarcaram. Embora um pouco retardada por ventos contrários,
a viagem foi concluída, e o navio lançou âncora no belo porto de Potéoli, na
costa da Itália. {AA 251.1}
Nesse lugar havia uns poucos cristãos, e eles se empenharam
com Paulo para permanecer com eles por sete dias, privilégio esse bondosamente
concedido pelo centurião. Desde que receberam a epístola de Paulo aos romanos,
os cristãos da Itália tinham avidamente desejado uma visita do apóstolo. Não
haviam imaginado vê-lo como prisioneiro, mas seus sofrimentos apenas o tornaram
mais querido deles. Sendo a distância de Potéoli a Roma de apenas uns 220
quilômetros, e estando o porto marítimo em constante comunicação com a
metrópole, os cristãos de Roma foram informados da aproximação de Paulo, e
alguns deles se adiantaram para encontrá-lo e saudá-lo. {AA 251.2}
No oitavo dia depois de sua chegada, o centurião e seus
prisioneiros retomaram o caminho de Roma. Júlio de boa vontade permitiu ao
apóstolo cada favor que estava em suas forças conceder, mas não lhe podia mudar
a condição de prisioneiro nem libertá-lo das cadeias que o ligavam ao soldado
que o guardava. Foi com o coração opresso que Paulo partiu para sua muito
ansiada visita à metrópole do mundo. Quão diversas eram as circunstâncias do
que ele imaginara! Como poderia ele, acorrentado e estigmatizado, proclamar o
evangelho? Suas esperanças de conquistar muitos conversos para a verdade em
Roma, pareciam destinadas ao desapontamento. {AA 251.3}
Os viajantes chegaram, afinal, à praça de Ápio, sessenta e
quatro quilômetros distante de Roma. Enquanto abriam caminho entre a multidão
que transitava na grande via, o encanecido ancião, acorrentado com um grupo de
criminosos mal-encarados, recebeu muitos olhares de zombaria, tornando-se
objeto de muito gracejo rude e escarnecedor. {AA 251.4}
De súbito ouviu-se um grito de alegria e um homem se
destacou da turba que passava, e lançou-se ao pescoço do prisioneiro,
abraçando-o e chorando de alegria, como um filho que saudasse o pai por muito
tempo ausente. A cena se repetiu muitas vezes à medida que, com a vista aguçada
por expectante amor, muitos reconheceram no preso acorrentado aquele que, em
Corinto, Filipos e Éfeso, lhes havia pregado as palavras da vida. {AA 251.5}
Os amantes discípulos ansiosamente afluíram ao redor de seu
pai no evangelho, obrigando todo o cortejo a parar. Os soldados
impacientaram-se com a demora, mas não tiveram coragem de interromper essa
feliz reunião; pois também eles aprenderam a respeitar e estimar seu
prisioneiro. Nessa face macerada e batida pela dor, os discípulos viam
refletida a imagem de Cristo. Asseguraram a Paulo que nunca o esqueceram nem
deixaram de amá-lo; que lhe eram devedores pela feliz esperança que lhes
animava a vida, e dava-lhes paz para com Deus. Na grandeza de seu amor o
levariam nos ombros todo o caminho até a cidade, fosse-lhes dado esse
privilégio. {AA 252.1}
Poucos consideram o significado das palavras de Lucas,
quando diz que Paulo, vendo seus irmãos “deu graças a Deus e tomou ânimo”. Atos
28:15. No meio do simpatizante e lacrimoso grupo de crentes, os quais não se
envergonhavam de suas cadeias, o apóstolo louvou a Deus em voz alta. A nuvem de
tristeza que estava sobre seu espírito se dissipara. Sua vida cristã tinha sido
uma sucessão de sofrimentos, desapontamentos e provações, mas nesse momento ele
se sentia abundantemente recompensado. Com passos mais firmes e o coração
repleto de alegria, ele continuou seu caminho. Não podia queixar-se do passado
nem temer o futuro. Cadeias e aflições o esperavam, isso ele sabia; mas sabia
também que lhe coubera libertar as pessoas de um cativeiro infinitamente mais
terrível, e se rejubilava em seus sofrimentos por amor de Cristo. {AA 252.2}
Em Roma, o centurião Júlio entregou seus prisioneiros ao
comandante da guarda imperial. A boa referência que deu de Paulo, somada à
carta de Festo, permitiram ser o apóstolo favoravelmente considerado pelo
comandante, e em vez de ser trancado na prisão, foi-lhe permitido viver em uma
casa alugada. Embora ainda ficasse constantemente acorrentado a um soldado,
tinha liberdade para receber seus amigos e trabalhar para o avanço da causa de
Cristo. {AA 252.3}
Muitos dos judeus que haviam sido banidos de Roma alguns
anos antes, tiveram permissão para voltar, de maneira que, então, ali se
encontravam em grande número. A eles, antes de tudo, queria Paulo apresentar os
fatos que diziam respeito a si mesmo e a sua obra, antes que seus inimigos
tivessem ocasião de os incitar contra ele. Três dias depois de sua chegada a
Roma, portanto, reuniu os líderes judeus, e de maneira simples e direta,
declarou porque viera a Roma como prisioneiro. {AA 252.4}
“Varões irmãos”, disse ele, “não havendo eu feito nada
contra o povo, ou contra os ritos paternos, vim contudo preso desde Jerusalém,
entregue nas mãos dos romanos; os quais, havendo-me examinado, queriam
soltar-me, por não haver em mim crime algum de morte. Mas, opondo-se os judeus,
foi-me forçoso apelar para César, não tendo, contudo, de que acusar a minha
nação. Por essa causa vos chamei, para vos ver e falar; porque pela esperança de
Israel estou com essa cadeia”. Atos 28:17-20. {AA 252.5}
Ele nada disse dos abusos que havia sofrido às mãos dos
judeus, nem das repetidas tramas para assassiná-lo. Suas palavras
caracterizaram-se pela prudência e bondade. Ele não estava procurando ganhar
atenção pessoal ou simpatia, mas defender a verdade e manter a honra do
evangelho. {AA 253.1}
Em resposta, seus ouvintes afirmaram que não tinham recebido
acusação alguma contra ele, por carta pública ou particular, e que nenhum dos
judeus que tinham vindo a Roma o acusara de qualquer crime. Expressaram, ainda,
um forte desejo de ouvir as razões de sua fé em Cristo. “Quanto a essa seita”,
disseram, “notório nos é que em toda a parte se fala contra ela”. Atos 28:22.
{AA 253.2}
Uma vez que eles próprios desejavam isso, Paulo pediu que
escolhessem um dia, quando lhes apresentaria as verdades do evangelho. No tempo
marcado, “muitos foram ter com ele à pousada, aos quais declarava com bom
testemunho o reino de Deus, e procurava persuadi-los à fé em Jesus, tanto pela
lei de Moisés como pelos profetas, desde pela manhã até à noite”. Atos 28:23.
Ele relatou-lhes sua experiência, e apresentou argumentos das Escrituras do
Antigo Testamento com simplicidade, sinceridade e poder. {AA 253.3}
O apóstolo mostrou que a religião não consiste em ritos e
cerimônias, credos e teorias. Se assim fosse, o homem natural poderia
entendê-la pela pesquisa, como entende as coisas do mundo. Paulo ensinou que a
religião é uma coisa prática, uma energia salvadora, um princípio inteiramente
de Deus, uma experiência pessoal do poder renovador de Deus sobre o coração.
{AA 253.4}
Mostrou como Moisés tinha apontado Cristo a Israel como o
profeta a quem deviam ouvir; como todos os profetas haviam testificado dEle
como o grande remédio de Deus para o pecado, o inocente que devia levar os
pecados do culpado. Paulo não censurou sua observância de formas e cerimônias,
mas mostrou que, enquanto mantinham o ritual com grande exatidão, estavam
rejeitando a Cristo, que era o antítipo de todo aquele sistema. {AA 253.5}
Paulo declarou que, antes da conversão, tinha conhecido a
Cristo, não por contato pessoal, mas simplesmente pela concepção que, em comum
com outros, tinha nutrido concernente ao caráter e obra do Messias por vir.
Tinha rejeitado a Jesus de Nazaré, considerando-O impostor porque Ele não
preenchia essa concepção. Finalmente, a visão que passara a ter de Cristo e Sua
missão era muito mais espiritual e exaltada; pois tinha sido convertido. O
apóstolo afirmou que não lhes apresentava a Cristo segundo a carne. Herodes
tinha visto a Cristo nos dias de Sua humanidade; vira-O Anás; Pilatos, os
sacerdotes e príncipes tinham-nO visto; viram-nO os soldados romanos. Mas não O
haviam visto com os olhos da fé; não O tinham visto como o Redentor
glorificado. Receber a Cristo pela fé, ter dEle um conhecimento espiritual era
mais para desejar que um contato pessoal com Ele como apareceu na Terra. A
comunhão com Cristo na qual Paulo agora se rejubilava era mais íntima, mais
duradoura que um mero e humano companheirismo terrestre. {AA 253.6}
Ao falar Paulo do que sabia e testificar do que vira,
concernente a Jesus de Nazaré como a esperança de Israel, os que honestamente
estavam procurando a verdade foram convencidos. Em alguns espíritos, pelo
menos, suas palavras produziram uma impressão que jamais se apagou. Mas outros
se recusaram obstinadamente a aceitar o claro testemunho das Escrituras, mesmo
quando apresentado a eles por alguém que tinha especial iluminação do Espírito
Santo. Eles não podiam refutar seus argumentos, mas se recusaram a aceitar suas
conclusões. {AA 254.1}
Muitos meses se passaram depois da chegada de Paulo a Roma,
antes que os judeus de Jerusalém aparecessem pessoalmente para apresentar suas
acusações contra o prisioneiro. Tinham sido repetidas vezes impedidos em seus
desígnios; e agora que Paulo deveria ser julgado perante o mais elevado
tribunal do império romano, não tinham desejo de se arriscar a mais uma
derrota. Lísias, Félix, Festo e Agripa tinham todos declarado acreditar na sua
inocência. Seus inimigos poderiam esperar êxito unicamente procurando, pela
intriga, influenciar o imperador em favor deles. A demora lhes favoreceria o
objetivo, visto que lhes proporcionaria tempo para aperfeiçoar e executar seus
planos; e assim esperaram algum tempo antes de levarem pessoalmente suas
acusações contra o apóstolo. {AA 254.2}
Na providência de Deus, essa demora resultou no avanço do
evangelho. Pelo favorecimento daqueles que tinham Paulo sob sua guarda, foi-lhe
permitido morar em uma casa cômoda, onde podia encontrar-se livremente com seus
amigos e também apresentar diariamente a verdade aos que o iam ouvir. Assim,
durante dois anos continuou suas atividades, “pregando o reino de Deus, e
ensinando com toda a liberdade as coisas pertencentes ao Senhor Jesus Cristo,
sem impedimento algum”. Atos 28:31. {AA 254.3}
Durante esse tempo, [Paulo] não se esqueceu das igrejas que
havia estabelecido em muitas terras. Compreendendo os perigos que ameaçavam os
conversos da nova fé, o apóstolo procurou tanto quanto possível satisfazer-lhes
às necessidades por meio de cartas de admoestação e instrução prática. E de
Roma enviou obreiros consagrados para trabalharem não somente por essas
igrejas, mas em campos que ele próprio não tinha visitado. Tais obreiros, como
sábios pastores, fortaleciam a obra tão bem iniciada por Paulo; e o apóstolo,
que se conservava informado das condições e perigos das igrejas mediante
comunicação constante com elas, estava habilitado a exercer uma sábia direção
sobre todas. {AA 254.4}
Desse modo, enquanto estivesse aparentemente separado do
trabalho ativo, Paulo exercia uma influência maior e mais duradoura do que se
estivesse livre para viajar entre as igrejas como nos anos anteriores. Como
prisioneiro do Senhor, ele retinha mais firmemente as afeições de seus irmãos;
e suas palavras, escritas por quem estava em cadeias por amor de Cristo,
impunham maior atenção e respeito do que quando ele estava pessoalmente com
eles. Não antes que Paulo fosse deles separado, compreenderam os irmãos quão pesados
eram os encargos que ele tinha levado em benefício deles. Até então, tinham-se
em grande parte escusado de responsabilidades e obrigações, porque sentiam a
falta de sua sabedoria, tato e indomável energia; mas agora, deixados em sua
inexperiência a aprender as lições que tinham rejeitado, apreciaram seus
conselhos, advertências e instruções como não haviam considerado seu trabalho
pessoal. E ao aprenderem de sua coragem e fé durante sua longa prisão, foram
estimulados a maior fidelidade e zelo na causa de Cristo. {AA 254.5}
Entre os assistentes de Paulo em Roma, havia muitos de seus
anteriores companheiros e colaboradores. Lucas, “o médico amado” (Colossences
4:14), que o tinha assistido em sua viagem a Jerusalém, durante os dois anos de
sua prisão em Cesaréia, e em sua perigosa viagem a Roma, estava ainda com ele.
Timóteo também ministrava para o seu conforto. Tíquico, um “irmão amado e fiel
ministro, e conservo no Senhor” (Colossences 4:7), permaneceu nobremente ao
lado do apóstolo. Demas e Marcos também estavam com ele. Aristarco e Epafras
eram seus companheiros de prisão. Colossences 4:7-14. {AA 255.1}
Desde os primeiros anos de sua profissão de fé, a
experiência cristã de Marcos tinha-se aprofundado. Ao estudar mais acuradamente
a vida e a morte de Cristo, tinha ele obtido mais clara visão da missão do
Salvador, Suas provas e conflitos. Lendo nas cicatrizes das mãos e pés de
Cristo as marcas de Seu serviço pela humanidade, e até aonde leva a abnegação
para salvar os perdidos e quase a perecer, Marcos se dispusera a seguir o
Mestre no caminho do sacrifício. Depois, partilhando a sorte de Paulo, o
prisioneiro, ele compreendeu melhor que nunca, que é infinito lucro ganhar a
Cristo, e infinita perda ganhar o mundo e perder a vida, por cuja redenção foi
o sangue de Cristo derramado. Em face de severa adversidade e prova, Marcos
continuou firme, um sábio e amado auxiliar do apóstolo. {AA 255.2}
Demas, firme por algum tempo, abandonou mais tarde a causa
de Cristo. Referindo-se a isso, Paulo escreveu: “Demas me desamparou, amando o
presente século”. 2 Timóteo 4:10. Por ganho mundano, trocou Demas toda alta e
nobre consideração. Com que pouco discernimento fizera ele a troca! Possuindo
apenas riquezas e honras mundanas, Demas era de fato pobre, por muito que pudesse
orgulhosamente considerar seu; enquanto Marcos, escolhendo sofrer por amor de
Cristo, possuía riquezas eternas, sendo considerado no Céu como herdeiro de
Deus e co-herdeiro de Seu Filho. {AA 255.3}
Entre os que deram o coração a Deus por intermédio do trabalho
de Paulo em Roma, estava Onésimo, escravo pagão que havia lesado a seu senhor,
Filemom, crente cristão de Colosso, e havia escapado para Roma. Na bondade de
seu coração, Paulo procurou aliviar a pobreza e angústia do desventurado
fugitivo e, em seguida procurou derramar a luz da verdade em sua mente
obscurecida. Onésimo ouviu as palavras da vida, confessou seus pecados e foi
convertido à fé em Cristo. {AA 255.4}
Onésimo tornou-se caro a Paulo por sua piedade e
sinceridade, não menos que por seu terno cuidado com o conforto do apóstolo, e
seu zelo em promover a obra do evangelho. Paulo viu nele traços de caráter que
poderiam torná-lo um útil auxiliar no trabalho missionário, e aconselhou-o a
retornar sem demora a Filemom, suplicar-lhe perdão, e fazer planos para o
futuro. O apóstolo prometeu responsabilizar-se pela soma que de Filemom havia
sido roubada. Estando pronto para enviar Tito com cartas para várias igrejas na
Ásia menor, enviou com ele Onésimo. Era uma severa prova essa para o servo,
apresentar-se ao senhor a quem havia lesado, mas havia sido convertido de
verdade, e não se furtou a esse dever. {AA 256.1}
Paulo tornou Onésimo portador de uma carta a Filemom, na
qual, com seu usual tato e bondade, o apóstolo pleiteava a causa do servo
arrependido, e manifestava o desejo de retê-lo para seu serviço no futuro. A
carta começava com uma afetuosa saudação a Filemom como um amigo e cooperador:
{AA 256.2}
“Graça a vós e paz da parte de Deus nosso Pai, e da do
Senhor Jesus Cristo. Graças dou ao meu Deus, lembrando-me sempre de ti nas
minhas orações; ouvindo a tua caridade e a fé que tens para com o Senhor Jesus
Cristo, e para com todos os santos; para que a comunicação da tua fé seja
eficaz no conhecimento de todo o bem que em vós há por Cristo Jesus”. Filemom
4-6. O apóstolo recordava a Filemom que cada bom propósito e bom traço de
caráter que ele possuía devia-o à graça de Cristo; somente esta o tornara
diferente dos perversos e pecadores. A mesma graça pode transformar o mais vil
criminoso num filho de Deus e útil obreiro no evangelho. {AA 256.3}
Paulo podia ter imposto a Filemom seu dever como cristão;
mas escolheu antes a linguagem da súplica: “..sendo eu tal como sou, Paulo o
velho, e também agora prisioneiro de Jesus Cristo. Peço-te por meu filho
Onésimo, que gerei nas minhas prisões; o qual noutro tempo te foi inútil, mas
agora a ti e a mim muito útil”. Filemom 9-11. {AA 256.4}
O apóstolo pedia a Filemom, que em vista da conversão de
Onésimo, recebesse o arrependido escravo como a seu próprio filho,
mostrando-lhe tal afeição que ele escolhesse permanecer com seu senhor de
outrora, “não já como servo, antes, mais do que servo, como irmão amado”.
Filemom 16. Expressava seu desejo de reter Onésimo como alguém que poderia
servi-lo em suas prisões, como o próprio Filemom teria feito, todavia, ele não
desejava os seus serviços a menos que Filemom de própria vontade libertasse o
escravo. {AA 256.5}
O apóstolo bem conhecia a severidade que os senhores usavam
para com os seus escravos, e sabia também que Filemom estava grandemente
indignado pela conduta de seu servo. Procurou escrever-lhe de maneira a
despertar seus mais profundos e ternos sentimentos como cristão. A conversão de
Onésimo o tornara um irmão na fé, e qualquer punição aplicada a seu novo
converso seria considerada por Paulo como aplicada a si próprio. {AA 257.1}
Paulo se propôs voluntariamente a assumir o débito de
Onésimo para que ao criminoso fosse poupado o sofrimento da punição, e pudesse
ele, de novo, se regozijar nos privilégios que tinha rejeitado. “Se me tens por
companheiro”, escreveu a Filemom, “recebe-o como a mim mesmo. E, se te fez
algum dano, ou te deve alguma coisa, põe isso à minha conta. Eu, Paulo, de
minha própria mão o escrevi; eu o pagarei”. Filemom 17-19. {AA 257.2}
Quão apropriadamente isso ilustra o amor de Cristo pelo pecador
arrependido! O servo que defraudara a seu senhor não tinha com que fazer a
restituição. O pecador que tem roubado a Deus de anos de serviço não tem meios
de cancelar o débito. Jesus Se interpõe entre o pecador e Deus, dizendo: Eu
pagarei o débito. Poupa o pecador; Eu sofrerei em seu lugar. {AA 257.3}
Depois de oferecer-se para assumir o débito de Onésimo,
Paulo recordou a Filemom o quanto ele próprio era devedor ao apóstolo.
Devia-lhe sua própria vida, uma vez que Deus tinha feito Paulo o instrumento de
sua conversão. Então, num apelo fervoroso e terno, suplicou a Filemom que,
assim como ele havia por sua liberalidade vivificado os santos, também
vivificaria o espírito do apóstolo concedendo-lhe essa causa de regozijo.
“Escrevi-te”, ele acrescentou, “confiado na tua obediência, sabendo que ainda
farás mais do que digo”. Filemom 21. {AA 257.4}
A carta de Paulo a Filemom mostra a influência do evangelho
nas relações entre senhores e servos. A escravidão era instituição estabelecida
em todo o império romano, e tanto senhores como escravos eram encontrados na
maioria das igrejas pelas quais Paulo trabalhou. Nas cidades, onde os escravos
eram muitas vezes muito mais numerosos do que a população livre, leis de
terrível severidade eram consideradas necessárias para mantê-los em sujeição.
Um romano rico possuía, não raro, centenas de escravos de toda categoria, de
todas as nações e de toda habilidade. Com pleno controle sobre a vida e o corpo
dessas desajudadas criaturas, podiam infligir-lhes o castigo que desejassem. Se
um deles, por vingança ou autodefesa, ousasse levantar a mão para seu
proprietário, toda a família do ofensor poderia ser cruelmente sacrificada. O
mais leve erro, acidente ou descuido eram, muitas vezes, punidos sem
misericórdia. {AA 257.5}
Alguns senhores, mais humanos que outros, eram mais
indulgentes para com seus servos; mas a grande maioria dos ricos e nobres,
procedendo sem restrição à luxúria, paixão e apetite, tornava seus escravos
miseráveis vítimas de capricho e tirania. A tendência de todo o sistema era
desesperadamente degradante. {AA 257.6}
Não era obra do apóstolo subverter arbitrária ou subitamente
a ordem estabelecida da sociedade. Tentar isso seria impedir o sucesso do
evangelho. Mas ele ensinava os princípios que atingiam o próprio fundamento da
escravatura, os quais, se postos em execução, minariam seguramente todo o
sistema. “Onde está o Espírito do Senhor aí há liberdade”, declarou ele. 2
Coríntios 3:17. Quando convertido, o escravo tornava-se membro do corpo de
Cristo, e como tal, devia ser amado e tratado como irmão, co-herdeiro com seu
senhor das bênçãos de Deus e dos privilégios do evangelho. Por outro lado, os
servos deviam cumprir seus deveres, “não servindo à vista, como para agradar
aos homens, mas como servos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus”.
Efésios 6:6. {AA 258.1}
O cristianismo cria um forte laço de união entre o senhor e
o servo, o rei e o súdito, o ministro do evangelho e o degradado pecador que
encontrou em Cristo a purificação do pecado. Foram lavados no mesmo sangue,
vivificados pelo mesmo Espírito; e são feitos um em Cristo Jesus. {AA 258.2}
Sem comentários:
Enviar um comentário